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segunda-feira, 12 de novembro de 2007

:: Kataná

ESPADA JAPONESA - NIHONTÕ

espada3Símbolo de força, de uma cultura e de um país, a espada curva japonesa é um ícone universal. Feita artesanalmente com uma técnica desenvolvida ao longo de mil e quinhentos anos, ela é internacionalmente reconhecida como a espada de mais alta qualidade já produzida pelo engenho humano, extremamente valorizada e cobiçada por colecionadores no mundo inteiro. Entre fatos e lendas a respeito deste venerado objeto, Cristiane A. Sato, colaboradora do CULTURA JAPONESA, apresenta a seguir uma introdução ao fascinante mundo da nihontõ, a espada japonesa.

ORIGENS DA ESPADA JAPONESA

Benedicto Ferri de Barros, apaixonado pesquisador da nihontõ, escreveu uma vez que "de todos os artefatos produzidos pelo homem, nenhum supera a espada japonesa em perfeição artesanal, em riqueza artística, em amplitude de significado cultural, em duração histórica, em conteúdo espiritual. Sob um ou outro desses aspectos ela poderá ser sobrepujada por uma ou outra classe de objetos; nenhuma a ultrapassa no conjunto dessas características". E ele não estava exagerando. Tão diversificado em especificidades é o assunto, que é um desafio explicar numa forma resumida algo tão complexo.

Espadas são das mais antigas armas fabricadas pela humanidade, daí que no mundo inteiro e de acordo com culturas locais a espada é um objeto ao qual se deu diferentes simbologias e significados. Via de regra, a espada representa força e poder, dado sua finalidade primeira de ser uma arma. De tal modo uma espada inspirava poder, que a humanidade passou a imputar ao objeto características similares a uma pessoa, tanto que lhe eram nomes individualizantes. No ocidente são famosas as lendas do Rei Arthur e de sua espada, Excalibur. Siegfried, lendário herói germânico, tinha a espada Balmung.

Na literatura, as espadas japonesas mais antigas de que se tem notícia são as relatadas no Kojiki, coletânea de fatos, mitos e lendas da Antigüidade japonesa, considerado o primeiro livro oficial de história do Japão, escrito em 712 d.C. Lendas xintoístas no Kojiki relatam que Amaterasu, a deusa do sol, entregou três objetos a seu neto Ninigi no Mikoto, quando o incumbiu da missão de governar o Japão. Um desses objetos foi uma espada, batizada de Kusanagi no Tsurugi. Esses três objetos - um espelho, um colar e a espada - são chamados de "Tríade Divina", ou "Os Três Tesouros Sagrados". A Kusanagi no Tsurugi é curta, com cabo e lâmina forjados numa só peça parecendo um gládio romano, e encontra-se guardada no templo de Atsuta, em Nagoya. Jimmu Tennõ, filho de Ninigi no Mikoto e historicamente considerado o primeiro imperador do Japão, herdou "Os Três Tesouros Sagrados", que desde então tornaram-se símbolos do poder imperial.

Há atualmente a idéia pré-concebida de que "espada japonesa" seja a kataná, a espada curva com corte apenas de um lado usada pelos samurais. Poucos sabem, entretanto, que na origem os japoneses usavam e fabricavam espadas bem diferentes da kataná. Aliás, existem vários tipos de espadas japonesas, além da kataná. Nos séculos VII e VI a.C., épocas em que se acredita que tenha vivido o lendário Jimmu Tennõ, os japoneses aprenderam a arte da manufatura de espadas de artesãos chineses. Assim, as espadas na Antigüidade japonesa eram feitas no estilo das espadas chinesas: longas ou curtas, mas retas e com ponta dupla (forma de flecha). Este tipo de espadas são chamadas de tsurugi. Muitas dessas espadas foram encontradas em escavações arqueológicas de túmulos do período Kofun (300 d.C. a 710 d.C.).

No século VII d.C., viveu o primeiro dos grandes mestres artesãos de espadas japonesas: Amakuni. Ferreiro do imperador Mommu Tennõ, Amakuni criou durante sua carreira uma nova forma de espadas, pronunciadamente encurvada e de ponta dupla, com corte de um só lado da lâmina virado para cima. Longa (75cm em média), usada pendurada por correntes com uma cinta, esse tipo de espada foi chamada de tachi. Adotada pela alta aristocracia, as tachi foram as precurssoras das katanás dos samurais. Refinadas e decoradas, as tachi tinham mais função cerimonial do que uso em batalha.

A NECESSIDADE FEZ A ESPADA

Embora espadas tenham existido desde a Antigüidade no Japão, nem sempre elas foram símbolo de uma classe guerreira e nem eram exatamente populares. Antes de se tornarem a classe governante no Japão, os samurais eram acima de tudo exímios cavaleiros e habilidosos arqueiros. Tão marcante era tal habilidade dos samurais, que o código de conduta deles era chamado de Kyûba no Michi (O Caminho do Arco e do Cavalo).

Surgido no século X, o Kyûba no Michi era um conjunto de ensinamentos que procurava impor regras de conduta moral e de etiqueta na guerra, em tempos nos quais não haviam leis ou normas escritas para tanto. Além de preconizar treinamento físico, defendia ideais de coragem, de destemor à morte, de impassividade e de cavalheirismo, sendo um dos deveres do samurai proteger as mulheres. De influência xintoísta, o Kyûba no Michi transmitia valores de ética e comportamento usando figuras de linguagem com as armas e objetos usados pelos samurais.

No raciocínio do Kyûba no Michi, a espada representa o homem, e a bainha a mulher. Além do sentido fálico, há a conotação de que a espada representa características consideradas "masculinas", como poder, força e agressividade. Por isso, o complemento ideal da espada é a saya (bainha), que representa características "femininas", como beleza e passividade. "Uma bainha sem espada é um ornamento oco; uma espada sem bainha é usada em demasia", diz um dos antigos provérbios que sobreviveu até nossos dias. Tais ideais práticos foram posteriormente alterados e substituídos na Era Edo (1603-1867), com o advento do Bushido (O Caminho do Guerreiro). Até meados do século XV, a arma mais popular era a yari (espada curta, reta ou curva, montada num cabo longo como uma lança), típica dos ashigaru (guerreiro à pé, de camada inferior).

Um confronto histórico marcou o desenvolvimento da espada que se tornaria sinônimo de espada japonesa: a kataná. Em 1274, o imperador mongol da China, Kublai Khan, neto do conquistador Genghis Khan, enviou tropas por mar para invadir o Japão. Embora os japoneses tenham conseguido rechaçar a invasão, perceberam que os mongóis possuiam armaduras mais resistentes e que precisavam de espadas mais eficientes. Certos de que os mongóis fariam uma outra tentativa de invasão, os japoneses desenvolveram a kataná, espada levemente encurvada com ponta em forma de cunha, empunhadura longa para duas mãos e lâmina comprida com corte unilateral, medidindo em média de 60 a 70 cm.

Podendo ser segurada com as duas mãos, um golpe com a kataná aproveita toda a força de uma pessoa de modo mais eficaz. Sua forma é ideal para rápidos golpes de corte. Sua lâmina larga e resistente é praticamente inquebrável, e a ponta em forma de cunha permitia atravessar a armadura mongol. Quando os mongóis voltaram a atacar, em 1281, a kataná foi posta à prova. Encontrando os japoneses melhor preparados, os mongóis não conseguiram conquistar territórios ao desembarcar, e tiveram que voltar aos seus navios. Um tufão varreu a frota mongol, afundando-a de vez. A este evento natural os japoneses deram o nome de kamikaze (vento divino), acreditando que os deuses haviam enviado o tufão para proteger o Japão.

Em tempos de paz, mestres alfagemes tinham tempo e inclinação para fazer espadas refinadas e artísticas, mas em tempos de guerra a demanda é por quantidade, e a qualidade é colocada em plano secundário. Na Era Kamakura (1192-1333) foram criadas técnicas altamente artísticas, a ponto deste período também ser conhecido como a "era dourada" da manufatura de espadas. Foi nesse período que viveu Gorõ Nyûdõ Masamune, conhecido como "Masamune", considerado o maior mestre artesão de espadas de todos os tempos, e muitos de seus famosos e renomados discípulos, como Kunitsugu Rai, Sadamune Soshu e Yoshihiro Go. Entretanto, na Era Muromachi (1333-1573), sangrentas e contínuas guerras internas no Japão tornaram-se norma. O enfraquecimento do poder imperial deu lugar a disputas entre daimyõs (líderes feudais), uns contra os outros na disputa pelo poder sobre o país, e permitiu a ascenção dos samurais à classe dominante. Muitas espadas de boa qualidade encomendadas pelos emergentes daimyõs foram feitas nesse período, mas a necessidade de armar crescentes tropas particulares de samurais fez com que as altamente artísticas técnicas da Era Kamakura fossem abandonadas em favor de espadas utilitárias.

UM NOVO PAPEL PARA A ESPADA

Basicamente armados com espadas, lanças e arcos-e-flechas, os exércitos particulares dos daimyõs tinham forças equilibradas, e esse período de guerras intermináveis arrastou-se por séculos. Em 1543 um fato novo mudou tal situação: navegantes portugueses - os primeiros ocidentais a chegar ao Japão - introduziram armas de fogo no país: os arcabuzes, chamados de teppõ pelos japoneses. As armas de fogo foram rapidamente assimiladas pelos daimyõs, que as entregaram as suas fileiras de ashigarus. Foi com o uso criterioso de arcabuzes que Nobunaga Oda, filho de um pequeno senhor de terras, alcançou proeminência derrotando grandes e tradicionais daimyõs, tomou a capital Kyoto e se fez shõgun (general supremo, governante de fato do Japão) em 1568. Em termos de eficiência em batalha, as armas de fogo superavam as melhores espadas e os melhores espadachins. Em 1588, Hideyoshi Toyotomi, um general de Oda, fez publicar o Kataná-gari, édito que proibiu a todos os que não fossem membros do bushi (classe guerreira) a posse ou porte da espada. A partir de então, a kataná tornou-se sinônimo de samurai, enquanto as armas de fogo só eram usadas por plebeus.

Quando Ieyasu Tokugawa, outro general de Oda, unifica o país e toma o poder em 1603 assumindo o título de shõgun, inicia-se no Japão um período de paz interna, marcado por uma crescente política isolacionista do resto do mundo, e a ascenção da classe samurai ao governo e ao topo da pirâmide social. Neste período, conhecido como Era Edo (1603-1867), o governo xogunal exercido por descendentes de Tokugawa passaram a restringir a fabricação e o uso de armas de fogo, a ponto de praticamente tirá-las de circulação. Paralelamente a essas medidas, tornou-se crescente a política de valorização da kataná.

O conceito da kataná como "alma do samurai" tem suas raízes no início do xogunato Tokugawa. Embora culturalmente sempre tenha havido uma reverência pela espada, a ídéia de "alma" adveio de uma necessidade do governo de dar presentes de alto valor para nobres e líderes aliados. Séculos antes, tais presentes seriam concessões de terras, mas nos tempos do xogunato as terras existentes já tinham proprietários e novos territórios, num arquipélago, eram quase impossíveis de se obter. Katanás de qualidade e de acabamento artístico passaram a ser manufaturadas com tal finalidade. Espadas antigas, de alta qualidade e feitas por artesãos renomados, passaram a ser consideradas presentes extremamente especiais, reservadas a membros da família do shõgun. Nesta época surge a arte do kantei: a habilidade de avaliar uma espada de acordo com a época que foi feita, o fabricante e a qualidade, bem como a de apreciar suas características e mínimos detalhes, como as variações de ondulação e brilho da hada, têmpera da lâmina que se assemelha visualmente ao cerne de madeira de lei.

Visando se manter indefinidamente no poder, o clã Tokugawa interveio em todos os aspectos da vida na sociedade japonesa por meio de leis, impôs regras de etiqueta na corte em Edo, e patrocinou publicações para serem adotadas no ensino e treinamento dos samurais. Num período sem guerras, os samurais tornaram-se fundamentalmente funcionários públicos e burocratas, e apenas num sistema que privilegiasse a obediência cega os Tokugawa conseguiriam alguma fidelidade dos samurais e se manteriam no poder. Foi sob tais circunstâncias históricas que nasceu o Bushido (O Caminho do Guerreiro).

Assim, a espada ganhou enorme função simbólica na sociedade japonesa. Símbolo da classe dominante, ela impunha às pessoas comuns mais medo que respeito pelos samurais, uma vez que estes tinham literalmente licença para matar de imediato qualquer popular que eles entendessem ter agido desrespeitosamente. Na etiqueta palaciana, o modo pelo qual se portava ou segurava a espada podia ser entendido como um ato de traição punível com a morte. Por ter apenas desembainhado sua espada no palácio do shõgun em 1701, embora diante de grave e desonesta provocação de um inimigo, Naganori Asano, daimyõ do feudo de Akõ, foi condenado a cometer seppuku (suicídio ritual). Mesmo destituídos de mestre e desonrados, ex-samurais de Asano se uniram num engenhoso plano e mataram o homem responsável pela morte de seu mestre, passando para a história como os heróis da Akõgishi (Crônicas dos Bravos de Akõ), conhecida na dramaturgia japonesa como Chûshingura (O Tesouro dos Leais Servidores), ou "Os 47 Ronins".

O BANIMENTO DA KATANÁ

Ao longo do século XIX, o Japão sofreu fortes pressões das potências ocidentais para abrir seus portos, até que finalmente o governo Tokugawa entrou em colapso. Após uma guerra civil entre defensores do isolacionismo xogunal e dos que queriam a restauração do poder ao imperador, com a abertura do Japão ao ocidente, adveio a chamada Era Meiji (1868-1912).

Entretanto, não se mudam hábitos e valores de séculos do dia para a noite, e houve resistência dos samurais, mesmo diante da derrota na guerra civil e da irreversível modernização do país. Em 1876, o imperador Meiji baixou o édito Haitorei, que proibiu a todos indistintamente o porte de armas de fogo e e armas brancas. Proibidos de portar suas espadas, os samurais passaram à condição de cidadãos comuns, e do dia para a noite a atividade de produção de katanás foi cortada a zero. A maioria dos alfagemes foram obrigados a sobreviver de outras atividades; alguns poucos passaram a produzir tesouras, facas de cozinha e ferramentas de corte para marcenaria (áreas nas quais curiosamente o Japão até hoje é internacionalmente reconhecido por sua alta qualidade). Tamanho foi o descontentamento e decepção dos samurais com o Haitorei, que em 1877 uma rebelião liderada por Takamori Saigo, samurai que durante a guerra civil apoiou a restauração imperial e foi um dos líderes intelectuais do novo governo, reuniu milhares de samurais em Kagoshima, sul do Japão. Armadas com modernas armas de fogo, tropas imperiais sufocaram a rebelião e Saigo cometeu suicídio ritual.

Posteriormente, à medida que a militarização cresceu no Japão avançando pelo século XX, a necessidade de armar soldados com espadas retomou a produção, mas a quantidade requereu fabricação industrial. As katanás "Tipo 94" e "Tipo 95", feitas para oficiais do exército e da marinha até a 2ª Guerra Mundial, pareciam-se com katanás tradicionais, mas eram feitas de uma única placa metal industrializado, recebendo um número de série ao invés da assinatura de um artesão. Houve, felizmente, alguns indivíduos que procuraram preservar a manufatura tradicional com acabamento artístico neste período infeliz, como os membros da família Gassan. Um deles, Sadakatsu Gassan, chegou a receber o prestigioso título de "Tesouro (ou Patrimônio) Vivo Nacional", dado a artistas que contribuiram sobremaneira à identidade japonesa.

Com a derrota na 2ª Guerra, e sob o governo de ocupação americano (1945-1952), as forças armadas japonesas foram dissolvidas e a produção de katanás, que devido ao conflito adquiriram a imagem de "arma maligna símbolo do inimigo", foi proibida e adotaram-se medidas para recolher todas as espadas que estivessem em posse da população, a fim de destruí-las. Diante de tal situação, um senhor chamado Junji Honma pediu uma audiência pessoal com o comandante do governo de ocupação, o general Douglas MacArthur. Neste encontro, o professor Honma apresentou ao general várias espadas japonesas de diferentes períodos históricos, e rapidamente MacArthur aprendeu a diferenciar uma espada de valor artístico de uma mera espada utilitária. Graças a esta reunião, muitas espadas foram salvas da destruição, e o general amenizou as medidas de destruição de espadas limitando-as às guntõ ("espadas das forças armadas", katanás produzidas em série), permitindo que espadas de valor artístico pudessem ser preservadas e possuidas por particulares. Mesmo assim, muitas katanás foram vendidas a soldados americanos, que as compravam por uma ninharia. Outras, como ocorre em tempos de guerra, foram roubadas. Outras foram escondidas pela população, e assim permanecem. Por esta razão, há mais katanás hoje nos Estados Unidos que no Japão - cerca de um milhão de espadas - a maioria guntõ tiradas de soldados japoneses mortos na guerra .

No pós-guerra o prof. Honma fundou a Nippon Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai (Sociedade Para a Preservação das Espadas Artísticas do Japão), em torno da qual reuniram-se os poucos alfagemes e especialistas que hoje se dedicam a preservar a arte e a tradição das espadas japonesas. Mas boa parte do esforço da entidade está em divulgar a espada japonesa, mesmo para os japoneses. Calcula-se que não mais de 1% dos japoneses atualmente tenha visto ou empunhado uma kataná tradicional legítima. Uma série de motivos cercou a espada japonesa de rituais e etiqueta, que levam a restringir sua exibição a estranhos que não sejam seus possuidores, dificultando mais ainda que as pessoas tenham algum conhecimento do assunto e preservem sua tradição. Somente a partir da criação da Nippon Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai, devidamente autorizada pelas forças de ocupação e reconhecida pelo governo japonês, que estudiosos e conhecedores da nihontõ puderam ter acesso a coleções particulares e realizar exposições.

Atualmente fabricam-se versões industrializadas e baratas de katanás sem corte, para mera decoração ou para prática esportiva de artes marciais. A maioria das vendidas no ocidente são feitas na China. Imitações produzidas em série, tais espadas carecem de acabamento artesanal ou artístico e são pouco resistentes, podendo facilmente quebrar-se ao receber o golpe de outra kataná.

PROCESSO DE MANUFATURA DE UMA KATANÁ

Antigamente, o processo de manufatura de uma espada era considerado um ato sagrado, um ritual religioso. Mestres alfagemes eram, via de regra, monges ou seguidores da seita Yamabushi (seita asceta de origem xintoísta, posteriormente absorvida por escolas budistas), ou da Shugendõ (seita derivada da Yamabushi, também conhecida como "budismo de montanha"). Antes de começar a forjar uma espada, esses artesãos realizavam ritos de purificação corporal, e abstinham-se de saquê e de sexo enquanto a espada não fosse terminada. Eles acreditavam que kamis (espíritos, deuses) os inspiravam e os acompanhavam no processo, e por isso cada espada tornava-se "moradia" de um espírito quando terminada.

Após a 2ª Guerra Mundial, muito do conhecimento da fabricação tradicional artesanal da kataná se perdeu. Atualmente, por iniciativas individuais de apreciadores que se dedicam à recuperação de tais técnicas, alguns artífices retomaram a manufatura tradicional de katanás pesquisando antigos escritos e ilustrações ainda existentes sobre o assunto. Arami Meizukushi, um tratado sobre espadas escrito por Hakuryûshi (pseudônimo de Katsuhisa Kanda) em 1712, virou obra de referência. Artigos escritos por Munetsugu, mestre alfageme que viveu no século XIX e viajou por todo o Japão ensinando sua arte, gerando uma onda de produção de katanás hoje chamada de Movimento da Shin-shintõ (novíssima espada japonesa), formam um evangelho para os modernos artesãos. A criação da Nippon Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai (Sociedade Para a Preservação das Espadas Artísticas do Japão) centralizou tais esforços, e mantém a missão de divulgar e preservar espadas e técnicas tradicionais de produção.

Tanto antigamente como hoje, uma kataná tradicional é basicamente feita com três instrumentos rudimentares: uma tenaz, um malho e uma bigorna. O processo baseia-se no antigo método chinês de aquecer, dobrar e achatar o metal repetidas vezes, até conseguir dar a forma que se deseja ao metal. Apesar de ser um trabalho fisicamente estressante, sujo e em ambiente quente, os ferreiros japoneses vestem-se de branco.

O que dá à kataná sua especial característica de resistência - praticamente inquebrável e capaz de cortar o cano de uma metralhadora - está no uso de dois tipos de metal fundidos numa só lâmina. Primeiramente aquece-se, bate-se e molda-se o "miolo" da lâmina com um metal mais "mole", e numa segunda etapa, acrescenta-se uma capa de metal mais "duro", que ficará na parte externa. Repete-se o processo de aquecer, bater e moldar quantas vezes forem necessárias o "sanduíche" de metais de diferentes resistências, até se obter uma única lâmina. Blocos de metais de diferentes resistências são basicamente obtidos variando-se a quantidade de ferro e carbono na composição de cada bloco. A "dura" área externa da lâmina é ideal para ser polida e e afiada. O interior "mole" absorve o impacto que a lâmina recebe ao se chocar com outra área dura, evitando que ela se parta.

espadaA diferença de composição das ligas de metal é crucial na formação da curvatura da kataná. Embora o alfageme molde a lâmina enquanto o metal está quente, o formato preciso desejado pelo artesão só será obtido no súbito resfriamento final, quando ele mergulhar a lâmina em água. Antes de resfriar a lâmina, ele passa argila onde ela será afiada, e o modo pelo qual ele mergulha a lâmina na água define se a lâmina se tornará uma espada, ou se o artesão precisará recomeçar o trabalho do zero. A diferença de composição dos metais no interior e no exterior da lâmina faz com que, no resfriamento, a lâmina se contraia e produza a forma final da curvatura. Neste instante, é comum que a lâmina sofra rachaduras, ou fique com uma curvatura incorreta ou indesejada, e o trabalho seja perdido. Em média, 5 lâminas são descartadas, e na sexta tentativa é que o artesão consegue aquela que irá finalmente tornar-se uma espada, o que torna todo o processo demorado (que varia de horas a semanas). Na área que foi coberta com argila, aparecem as primeiras formas da hada (têmpera ondulada). O uso de metais de diferentes resistências na moldagem da lâmina e o modo de encurvar a lâmina são processos desenvolvidos pela metalurgia tradicional japonesa.

A lâmina produzida pelo alfageme vai em seguida para outro especialista: o polidor. Usando apenas pedras para polir e afiar e as próprias mãos, o polidor exaustivamente esfrega a lâmina até obter o máximo de seu brilho e dar-lhe um corte afiado como o de uma navalha. Nas mãos dele os detalhes da hada virão à tona no máximo de seu esplendor. Finalmente, a lâmina estará pronta para ir para outro mestre: o montador. Verdadeiro artista, o montador não apenas faz o acabamento da lâmina, montando os acessórios fabricados pelo alfageme já devidamente limpos pelo polidor, como irá preparar a empunhadura com fitas de tecido resistentes habilmente trançadas e pequenas peças decorativas em bronze, osso ou marfim (algumas dessas peças são amuletos). Por fim, é feita a peça maior do montador: a saya (bainha). Feita em couro ou madeira, encerada ou laqueada, a saya é feita para acondicionar a kataná e seus acessórios com precisão, de tal modo que cada saya serve apenas para a kataná para a qual ela foi feita. Entre polimento e montagem, é comum que se demore mais 3 ou 4 semanas.

Finalmente, a kataná pronta volta ao alfageme, que fará a análise final para certificar-se de que a espada atende suas expectativas. Aprovada, a espada está apta a receber a mei, a assinatura do artesão (quando a espada não é assinada, ela é chamada de mumei kataná, "espada sem assinatura"). Após um ritual para purificar e consagrar a nova espada, ela está pronta para cumprir seu destino, seja qual ele for.

TIPOS DE ESPADAS JAPONESAS

espada1
A grande maioria das espadas japonesas legítimas foi feita artesanalmente e sob encomenda, adequando-se a características e necessidades pessoais. Isso faz com que nenhuma espada seja exatamente igual a outra, e que nenhuma padronização de medidas tenha sido aplicada com absoluta precisão, mesmo quando houve produção maciça de katanás.

Espadas japonesas são medidas em unidades de shaku (1 shaku mede aproximadamente 30,3 centímetros), ou 10/33 metros. Também existem as medidas sun (um décimo de shaku), bu (um centésimo de shaku) e rin (um milésimo de shaku).

- Chisa-kataná: é uma kataná média, medindo entre 60 e 70 cm (um pouco mais longo que a wakizashi, mas mais curto que a kataná).

- Daitõ: nome que se dá a qualquer espada longa, com lâmina medindo mais de 2 shaku (mais de 60 cm).

- Daisho: nome que se dá ao conjunto de uma kataná com uma wakizashi (duas espadas de samurai similares, diferentes apenas no comprimento).

- Kataná: espada curva com ponta em forma de cunha, empunhadura longa para duas mãos e lâmina comprida com corte unilateral, medidindo em média de 60 a 70 cm, podendo ser mais longa. Ideal para rápidos golpes de corte e resistente, foi adotada pela classe guerreira (bushi).

- Kodachi: é a tachi curta, com lâmina que mede mais de 1 shaku e menos de 2 (entre 30 e 60 cm).

- Kozuka: pequena e fina faca utilitária, feita para se encaixar entre a saya (bainha) e a tsuba (guarda, placa redonda chata e vazada para proteger as mãos) de uma kataná. Seu cabo trabalhado serve de complemento decorativo da saya.

- Naginata: espada curta montada num cabo longo, lança. Também chamada de yari.

- Nodachi: kataná extraordinariamente longa, chegando a medir 3 shaku (90 cm), que é carregada nas costas. É o mesmo que õdachi.

- Sai: tridente com lâmina central mais longa que as lâminas laterais, usada para deter golpes de um adversário com uma kataná. Dela deriva o jitte, cassetete fino de metal sem ponta viva, com um gancho no lugar do copo da empunhadura, usada por policiais na Era Edo (1603-1867).

- Shotõ: nome que se dá a qualquer espada curta, com lâmina medindo mais de 1 shaku e menos de 2 (entre 30 e 60 cm).

- Tachi: refinada espada pronunciadamente encurvada de ponta dupla, com corte de um só lado da lâmina. Longa (75cm em média), usada pendurada por correntes com uma cinta, esse tipo de espada foi adotada pela alta aristocracia a partir do séc. VII.

- Tantõ: adaga; lâmina com menos de 1 shaku (30 cm). Usada em suicídio ritual.

- Tsurugi: espada de dois gumes e ponta dupla, similar às espadas ocidentais antigas, feita no Japão na Antigüidade. Seu formato e forma de fabricação baseavam-se em modelos e técnicas da China.

- Wakizashi: é a kataná curta, medindo de 30 a 60 cm.

CLASSIFICAÇÃO HISTÓRICA DAS ESPADAS JAPONESAS

Espadas japonesas, de acordo com a época em que foram produzidas, são classificadas nos períodos abaixo descritos. Há porém discrepâncias entre as datas exatas do período de abrangência de tais períodos, que variam de acordo com a fonte de informação ou autor. A classificação a seguir consta da "Japan Encyclopedia" de Louis Fréderic, publicada pela Universidade de Harvard.

- Jokotõ: "espada antiga"; engloba espadas manufaturadas até meados da Era Heian (794 -1192), por volta do ano 900. Também é chamado de período Chokutõ.

- Kotõ: "espada velha"; espadas feitas entre o ano 900 até o final da Era Muromachi (1333-1573)

- Shintõ: "espada nova"; as que foram manufaturadas do início da Era Azuchi-Momoyama (1574-1603) a meados da Era Edo (1603-1867), por volta de 1804.

- Shin-shintõ: "espada novíssima", ou "espada moderna"; classificação genérica para todas as espadas feitas a partir de 1804.

- Fukkõtõ: "espada do ressurgimento"; especifica espadas feitas de 1804 ao fim da Era Edo (1867).

- Kyûshintõ: espadas feitas do início da Era Meiji (1868-1912) a 1937, quando se inicia a intervenção na China, ano que os japoneses consideram o início da 2ª Guerra.

- Shinguntõ: "espada do exército"; feitas de 1937 a 1945 (fim da 2ª Guerra Mundial) para o exército.

- Kaiguntõ: "espada da marinha"; feitas de 1937 a 1945 (fim da 2ª Guerra Mundial) para a marinha.

(obs.: tanto as "espadas do exército" como as "espadas da marinha" são classificadas genericamente como Guntõ, "espadas das forças armadas")

PARA SABER MAIS SOBRE A ESPADA JAPONESA

O site Cultura Japonesa recomenda os seguintes livros:

-THE CONNOISEUR'S BOOK OF JAPANESE SWORDS, de Kokan Nagayama, publicado pela Kodansha International.

-THE CRAFT OF THE JAPANESE SWORD, de Leon e Hiroko Kapp, publicado pela Kodansha Intl.

-THE JAPANESE SWORD: A COMPREHENSIVE GUIDE, de Kanzan Sato, publicado pela Kodansha Intl.

Os livros acima podem ser adquiridos pela internet, através dos sites da Amazon (www.amazon.com) e da Barnes & Noble (www.bn.com), ou por encomenda através da Casa Ono (casaono@uol.com.br).

-A MAGIA DA ESPADA JAPONESA, de George Guimarães, publicado pela Cultrix. Difícil de encontrar disponível em lojas, mas pode ser encomendado através das livrarias Saraiva e Cultura.

-JAPÃO, A HARMONIA DOS CONTRÁRIOS, de Benedicto Ferri de Barros, publicado por T.A. Queiroz. Embora esteja esgotado, o livro é suscinto e ideal para os que querem se iniciar no assunto. O autor foi o primeiro brasileiro reconhecido como especialista em espadas japonesas e membro da Nippon Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai (Sociedade Para a Preservação das Espadas Artísticas do Japão). Disponível para consulta na biblioteca da Fundação Japão (Av. Paulista, 37 - 2º and., São Paulo/SP).

Na tevê paga, o canal History Channel freqüentemente reprisa o ótimo documentário MESTRES: MASAMUNE, sobre o artesão que viveu no século XIII e que é considerado o melhor forjador de espadas do Japão de todos os tempos. É preciso consultar na grade de programação ou com a operadora quando o documentário virá ao ar novamente.

:: Soka Gakkai Internacional

A Soka Gakkai Internacional (SGI) é uma organização não-governamental (ONG) filiada às Nações Unidas desde 1983 e presente em 190 países e territórios. Tem como objetivo fundamental promover a paz e o respeito pela dignidade humana.

Seus membros desenvolvem amplas atividades nos campos da Paz, Cultura e Educação que incluem exposições, intercâmbios culturais e educativos, bem como ajuda humanitária em nível mundial.

Origem

Os princípios filosóficos que direcionam as atividades da SGI estão centrados no conceito de “Revolução Humana”, uma reforma interior do indivíduo que permite desenvolver a sabedoria para viver com confiança, criar valor em qualquer circunstância e contribuir na formação de uma sociedade pacífica. A conscientização das potencialidades inatas do ser humano não apenas modifica para melhor sua personalidade, como também leva a mudança de atitudes e percepções básicas sobre a natureza da vida em si, proporcionando ampla expansão da habilidade para ‘criar valor’ – do benefício, da beleza e do bem social. Esta transformação interna, iniciada a partir de uma pessoa, pode mudar o destino de uma sociedade, do mundo e da própria história da Humanidade.

Essa inspiração, assim como seu objetivo e missão, baseiam-se na filosofia humanista do Budismo de Nitiren Daishonin (1222~1282).

Filho de um pescador, Nitiren (nascido Zennitimaro) ingressou no sacerdócio e depois de um período de intensos estudos, chegou à conclusão de que todas as pessoas podem manifestar seu máximo potencial por meio de seus próprios esforços. De acordo com seus ensinos, o funcionamento de todo o Universo está sujeito a um único princípio ou Lei. Ao entender esta lei, o indivíduo pode descobrir este potencial oculto dentro de sua própria vida e obter uma harmonia criativa com o meio ambiente.

Essa filosofia representa o veículo para a transformação do ser humano, pois não estimula somente o indivíduo a manifestar seu infinito poder para enfrentar e transformar seu cotidiano, mas também o torna capaz de influenciar positivamente sua comunidade. Assim, permite desenvolver a sabedoria para entender e realizar ações com o conhecimento da profunda ligação entre a própria felicidade e a dos demais, com a compreensão de que a maior das alegrias é ajudar os outros a serem felizes também.

A meta deste processo de reforma interior está centrada na tese de que a influência de cada ação humana transcende seu contexto imediato e se estende ao redor do mundo. Este princípio humanista é o do “budismo de ação social”, que incentiva o indivíduo a participar ativamente e a contribuir para a construção de uma sociedade de paz e prosperidade, conforme o Sutra de Lótus – uma compilação dos ensinos do Buda Sakyamuni, o fundador do budismo, que viveu na Índia há aproximadamente dois mil e quinhentos anos.

Conhecido como Siddarta Gautama em sua juventude, Sakyamuni se dedicou a encontrar uma solução para o sofrimento fundamental da existência humana. Durante cinqüenta anos, se dedicou a ensinar a essência de seu esclarecimento, chamada comumente de ‘iluminação’ ou ‘Estado de Buda’. Para isso, utilizou diversos expedientes conforme o costume cultural da época, demonstrando às pessoas que através da prática correta dos ensinamentos poderia se alcançar a plenitude que ele obteve.

Estes expedientes deram origem aos vários ensinos do Buda, posteriormente compilados por seus discípulos. A partir deles, o budismo se propagou pela Índia, depois à China, Coréia e chegando ao Japão. Em cada época e local um tipo de ensino ficou mais conhecido, sendo que hoje existe diversificada ramificação das doutrinas budistas.

No Japão, durante muito tempo as escolas budistas foram patrocinadas pelo Estado e desenvolveram complexas práticas que se tornaram inacessíveis ao homem comum. Com a aparição de uma classe guerreira no século XIII e o declínio da aristocracia, surgiram novas formas mais populares de budismo. Entre estas novas formas, o Budismo de Nitiren, que reconhece e enfatiza a supremacia do Sutra de Lótus sobre todos os outros ensinos budistas.

O Sutra de Lótus, considerado como o ápice dos ensinos do Buda Sakyamuni, revela a existência da verdade universal inerente ao ser humano conhecida como ‘natureza de Buda’. Além disso, afirma que a vida cotidiana nos oferece a oportunidade para fazer uma reforma interior e assim manifestar esse imenso potencial inerente à vida (ou seja, manifestar o Estado de Buda – uma condição de vida caracterizada por uma total liberdade interior, sabedoria ilimitada e compaixão ou benevolência infinita). Isto torna o Sutra de Lótus um ensino humanista e verdadeiramente democrático, pois oferece possibilidades reais a todas as pessoas sem qualquer distinção de gênero, raça, classe social, econômica ou nível educacional.

Soka Gakkai, que significa “sociedade para criação de valor”, foi criada em 1930 pelo professor Tsunessaburo Makiguti, e inicialmente, era formada por educadores. Após a Segunda Guerra Mundial, ampliou suas atividades, abrangendo pessoas de todas as classes e profissões, formando um movimento popular no Japão. A partir de 1960, expandiu-se para outros países e em 1975 foi fundada a SGI, com a finalidade de unir os esforços do crescente número de membros.

Atuando em vários países, de acordo com a cultura e as características de cada sociedade, a SGI desenvolve suas atividades tendo como base o claro entendimento da ligação existente entre a felicidade individual, a paz e a prosperidade de suas respectivas sociedades. A promoção de intercâmbio cultural na busca de valores comuns que estão presentes em diferentes formas e em todas as culturas, tais como a tolerância e a coexistência pacífica, tem mostrado que quando se compreende plenamente a importância do conceito de reforma interior, muitos dos sofrimentos e a violência experimentada no mundo durante esses séculos poderão ser amenizados e evitados nos séculos vindouros.

Atividades em Prol da Paz, Cultura e Educação

A SGI, como um movimento humanista, promove ações e atividades para a dignidade da vida e, por extensão, a obtenção da paz. Este conceito de paz não se refere à ausência de conflitos armados, mas também a um processo dinâmico de interação entre os seres humanos a fim de transformar essa força destrutiva inerente à vida em uma força criadora – que permita a cada indivíduo desenvolver-se para criar um mundo no qual os direitos humanos sejam respeitados.

Entre as atividades básicas realizadas de forma voluntária pelos membros da SGI, as Reuniões de Palestras permitem aos convidados descobrirem qual caminho seguir para se tornarem autênticos seres humanos. A união que se consegue com este tipo de atividade baseia-se no Budismo Nitiren e na compreensão prática dele, o que se constitui numa sólida fundação para uma sociedade de paz. Visando conseguir o mesmo objetivo, também são desenvolvidas outras atividades como festivais culturais, convenções e eventos esportivos que congregam pessoas que compartilham dos mesmos ideais.

Os recursos financeiros que permitem o desenvolvimento de todas estas atividades são obtidos da contribuição voluntária de seus membros bem como dos lucros da venda de publicações internas.

Sem ser exclusivamente ambientalista ou defensora dos direitos humanos, a SGI busca, pela educação, criar a consciência da responsabilidade que tem cada indivíduo pelo nosso planeta na construção de um mundo mais humano.

Apoio às Nações Unidas

Inspirada pelo espírito pacifista da Carta Magna das Nações Unidas, a SGI trabalha para fortalecê-la e apoiá-la em suas atividades relacionadas à paz, como por exemplo, promoveu campanhas para angariar fundos no apoio às atividades humanitárias das Nações Unidas para os refugiados a Ásia, África e dos Bálcãs.

Este esforço para aliviar o intenso sofrimento das pessoas deslocadas pelos conflitos gerou fundos que foram doados ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados com a finalidade de apoiar projetos para ministrar cuidados médicos, abastecimento de provisões, educação, entre outras providências, sendo que muitos membros voluntários se juntaram em prestar auxílio como profissional da medicina, enfermagem e outros.

Além de angariar fundos para os refugiados em 1998, os membros da SGI recolheram mais de 13 milhões de assinaturas em apoio à petição “Abolição 2000”, projeto que conclama os governantes a assinarem um tratado internacional para a eliminação das armas nucleares.

Paralelamente a essas campanhas internacionais, os membros da SGI de cada país desenvolvem uma série de atividades em prol da sociedade. Na Coréia, os membros têm realizado nos últimos anos uma campanha de limpeza em várias comunidades como um esforço para apoiar a proteção do meio ambiente. Do mesmo modo, os membros da SGI de Cingapura desenvolvem uma campanha anual de ajuda aos idosos em agradecimento àquelas pessoas que contribuíram para o desenvolvimento do país. Quando ocorreram recentemente séries de desastres naturais na Índia e em El Salvador, os membros da SGI de Hong Kong, Taiwan, Japão, Estados Unidos, México e outros países ofereceram ajuda às vítimas.

Seminários

A SGI participa e organiza uma série de seminários e conferências nas quais se debatem diferentes tópicos baseados em princípios humanistas. Entre os seminários constam: “Respeito aos Oceanos”, na Austrália; “Direitos Humanos e Pluralismo Cultural”, “Reforma nas Nações Unidas”, “Aspectos Políticos e Religiosos do Conflito Cultural Global”, entre outros, organizados conjuntamente com o Centro de Pesquisas para o Século XXI de Boston, além das seguintes conferências: “As Nações Unidas e a Religiões Mundiais: Perspectiva para uma Ética Global”, “O Renascimento da ONU”, “Simpósio Budista-Cristão” – junto com a Academia Européia de Artes e Ciências da Alemanha e Áustria; “Exposição Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento: a Amazônia”, no Brasil, “Diálogos com Diferentes Religiões”, na Itália, Argentina, Estados Unidos e Venezuela.

Exposições Educativas

Realizadas com o intuito de conscientizar os cidadãos, reforçar sentimentos anti-bélicos e também incentivar o senso de solidariedade global, de acordo com a filosofia budista de respeito absoluto por tudo o que existe como vida.

A primeira dessas exposições intitulada “Armas Nucleares: Ameaça ao Nosso Mundo” ocorreu em 1982, na sede central das Nações Unidas em Nova York, e ao mesmo tempo o líder da SGI, Daisaku Ikeda, entregou uma proposta para a abolição das armas nucleares na Segunda Sessão Especial Sobre Desarmamento da Conferência Geral da ONU. Posteriormente, a exposição foi exibida em mais de trinta cidades de diferentes países.

A exposição “Guerra e Paz: a Humanidade Sobreviverá no Século XXI?” foi apresentada nas Nações Unidas em 1989 com a cooperação do Departamento de Assuntos para o Desarmamento da ONU e co-patrocinada pela SGI, pelo Escritório Independente para Eventos Humanitários e pelos Médicos Sem Fronteiras para a Prevenção da Guerra Nuclear. Esta exposição descreve uma ampla gama de problemas que a humanidade confronta, tais como a fome, a pobreza, a situação dos refugiados, a guerra nuclear e a degradação do meio ambiente, como também explora possíveis soluções.

Em 1992, foi realizada simultaneamente com a “Cúpula da Terra”, no Rio de Janeiro, a “Exposição sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: a Amazônia”. Em dezembro de 1993, em comemoração ao 45º aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pelas Nações Unidas, foi inaugurada em Genebra a exposição “Rumo ao Século da Humanidade: Direitos Humanos no Mundo de Hoje”.

Outras exposições, tais como “Anne Frank e o Holocausto: a Coragem para Recordar”, que contou com a colaboração de Centro Simon Wiesenthal dos Estados Unidos, reflete sobre as crueldades cometidas durante a segunda guerra mundial e mostra a coragem daqueles que resistiram às suas atrocidades. A exposição “Desenhos das Crianças do Mundo”, composta por desenhos infantis de 160 países, foi realizada com a colaboração da UNESCO e outras organizações governamentais e privadas ao redor do mundo. “Diálogos com a Natureza – Fotografias de Daisaku Ikeda” reúne uma seleção de fotos de presidente da SGI, composta de cenas naturais feitas durante suas viagens ao redor do mundo em busca da paz pelo diálogo, entendimento mútuo e humanismo.

O Sistema Educacional Soka

Integrado pelas escolas de nível fundamental, médio e superior, perto de Tóquio e Osaka, bem como pela Faculdade Feminina Soka (1985) e pela Universidade Soka (1971) no Japão, este sistema é conveniado a escolas de outras partes do mundo. Os Jardins de Infância Soka foram estabelecidos em Hong Kong (1992), Cingapura (1993), Malásia (1994) e Brasil (2001). A Universidade Soka da América foi aberta em 1991, perto de Los Angeles e outro campus em 2001, no condado de Orange.

Não são escolas religiosas, mas o que é ensinado segue o modelo da “educação humanista”, ou seja, enfatiza a importância da dignidade e do valor do indivíduo e acredita na capacidade do mesmo para atingir sua auto realização. Isto se traduz em um amplo sistema educativo preocupado em cultivar o caráter, a sabedoria e a criatividade nos estudantes, em meio a um espírito de igualdade e aprendizagem mútuos com os professores. Tal aproximação combate a tendência comum entre os educadores de enfatizar demais a aquisição de conhecimentos em detrimento da formação moral e ética.

Para fomentar uma perspectiva internacional entre seus estudantes e como uma contribuição para a paz mundial, a Universidade Soka promove ativamente intercâmbios culturais e acadêmicos com universidades de todo o mundo. Possui convênios de intercâmbio acadêmico com mais de cinqüenta universidades e conta com cinco institutos de pesquisa, incluindo o Instituto de Estudos para a Paz e o Instituto para o Estudo Comparativo das Culturas. Também está associada ao Centro de Pesquisas da Bacia do Pacífico – um programa de pesquisa conjunta conduzido pela Universidade Soka da América e pela Universidade de Harvard. Este programa concede bolsas de estudos de pós-doutorado a pesquisadores que estudam política pública na costa do Pacífico.

O terceiro presidente, Daisaku Ikeda, vem realizando intensos esforços no sentido de que a cultura e a educação tenham um caráter integral e global, concebidas para que o indivíduo faça uso de todo seu potencial criativo. Um dos lemas permanentes que guiam os trabalhos educativos da SGI é o de educar cidadãos para o mundo, para que o amor natural pela terra e o país possam se fundir com a consciência das responsabilidades que nos competem como habitantes do planeta.

Instituições Afiliadas

A SGI estabeleceu e apóia instituições comprometidas com uma série de atividades culturais pois tem a certeza de que o intercâmbio cultural pode unir os corações ao redor do mundo e contribuir para um profundo entendimento internacional. Estão entre as instituições:

- Associação de Concertos Min-On – fundada em 1963, atua no campo do intercâmbio cultural internacional. Patrocina regularmente turnês de artistas de todo o mundo ao Japão, assim como atuações de grupos de música e dança japoneses no exterior. Entre os grupos musicais de renome mundial e artistas que a Associação de Concertos Min-On convidou estão a Ópera Estatal de Viena (1980), o Teatro Scala de Milão (1981), a Ópera Estatal de Colônia (1992), e várias turnês de grandes intérpretes norte-americanos de jazz. Também patrocinou grupos de balé, de tango e a popular série de concertos “Viagem Musical ao Longo do Caminho da Seda”. Com o objetivo de patrocinar jovens talentos, realiza anualmente a Competição Internacional de Música de Tóquio, com três categorias musicais: de câmara, dirigida e vocal; e também a Competição Internacional de Coreografia de Tóquio e o Festival Min-On de Música Contemporânea. Até agora, a associação patrocinou grupos de setenta e seis diferentes nações.

- Museu de Arte Fuji de Tóquio – fundado em 1983, além de trazer ao público japonês tesouros da herança cultural mundial, exibe parte de sua coleção em museus de todas as partes do mundo. A coleção permanente do museu inclui pinturas, esculturas, cerâmicas, trabalhos têxteis e laqueados de diferentes partes do mundo – da América do Sul até a Europa. O museu também tem uma exposição permanente de arte européia que vai desde o Renascimento até o século XIX. O museu abriga aproximadamente cinco mil obras de arte antigas e modernas e estabeleceu relações recíprocas de empréstimos com importantes museus e galerias de arte de todo mundo, e em suas diversas exposições continua buscando ampliar a gama de intercâmbios artísticos e culturais em escala internacional.

- Centro de Pesquisas para o Século XXI de Boston – fundado em 1993, localiza-se em Cambridge – Massachusets, EUA, é um instituto internacional e incentiva o diálogo entre estudantes e especialistas sobre os valores comuns a diferentes culturas e religiões, esforçando-se para apoiar o desenvolvimento da ética global para um século XXI pacífico. Os direitos humanos, a não-violência, a ética ambiental e a justiça no campo econômico são questões enfocadas por esse centro.

- Instituto Toda de Pesquisa para a Paz Global – estabelecido em 1996 em homenagem aos ideais difundidos pelo segundo presidente da Soka Gakkai, Jossei Toda – um pacifista determinado que clamou pela abolição das armas nucleares. O instituto reúne pesquisadores da paz, políticos e líderes comunitários para tratar de projetos relacionados com a paz e o diálogo entre as civilizações. Seu enfoque é o diálogo internacional sobre quatro temas principais: a segurança humana e a governância mundial, direitos humanos e a ética global, a justiça social e a economia global, e a identidade cultural e cidadania global.

- Instituto de Filosofia Oriental – fundado em 1962, é um centro de investigação cujo objetivo é tornar acessível às pessoas de todo o mundo a rica herança filosófica da Ásia. Com centros no Japão, Reino Unido, Rússia, Hong Kong e na Índia, promove seminários, conferências e simpósios que avaliam temas sociais e científicos sob a uma perspectiva budista ou de outras religiões. O instituto também participa de intercâmbios entre estudantes de diferentes tradições culturais.

A SGI no Brasil

No Brasil, a Associação Brasil Soka Gakkai Internacional (BSGI) é a representante da SGI. Educação e cultura são dois temas fundamentais que direcionam as ações sociais, como o Projeto “Makiguti em Ação”, o Curso de Alfabetização para Jovens e Adultos, Instituto Soka do Brasil, Centro de Pesquisas Ecológicas da Amazônia (CEPEAM) e a Orquestra Filarmônica do Humanismo Ikeda (OFBHI).

- Projeto “Makiguti em Ação” – colocando em prática as propostas educacionais do fundador da Soka Gakkai, professor Tsunessaburo Makiguti, capacita professores e pais por meio de oficinas e palestras para que ‘o aluno seja feliz enquanto estuda’, desenvolvendo seu potencial criativo e fazendo com que o currículo escolar seja absorvido pelo próprio interesse. Esse método pedagógico viabiliza uma educação humanística em prol da criação de valores humanos, pois sendo a educação uma das bases da criação da Soka Gakkai Internacional, é a condição essencial para um mundo de paz.

O projeto é implantado nas escolas por uma equipe multidisciplinar, composta de membros da BSGI sem vínculo financeiro, político ou religioso. Atualmente mais de cem escolas participam desse programa, que já despertou o interesse de várias instituições educativas e oficiais.

- Curso de Alfabetização – curso em português, com o intuito de erradicar o analfabetismo e possibilitar ao maior número de pessoas exercer sua plena cidadania, é voltado para os associados da BSGI, englobando jovens acima de quinze anos e adultos que desejam dominar a leitura e a escrita ou concluir a 4ª série para dar continuidade aos estudos. As aulas são divididas em vinte módulos por série, ministrados por professores e monitores voluntários que atendem os alunos em suas dificuldades, com avaliação diária. Existem 27 pólos de alfabetização que funcionam nas escolas públicas e nas sedes regionais da BSGI. Desde que foi instalada, mais de quatro mil pessoas já foram beneficiadas pelo projeto.

- Instituto Educacional Soka do Brasil – Tendo como lema “ser feliz enquanto estuda”, o Sistema Educacional Soka instalou no Brasil a primeira unidade em meados de 2001, em São Paulo. A Escola Soka do Brasil possui educação infantil e ensino fundamental com a proposta de formar valores humanos por meio de uma educação humanística com respeito à individualidade das crianças e buscando desenvolver nelas a coragem, a honestidade e a esperança.

- Centro de Pesquisas Ecológicas da Amazônia (CEPEAM) – vem contribuindo para a proteção da bacia do rio Amazonas, desenvolvendo exposições educativas sobre a necessidade de preservar e coexistir harmoniosamente com a biosfera terrestre, baseada no conceito budista de ‘inseparabilidade da vida e seu meio ambiente’. Como parte das atividades, um projeto de reflorestamento já transplantou mais de trinta mil mudas em áreas afetadas com o propósito de incrementar a conscientização sobre a importância de um desenvolvimento sustentável.

- Orquestra Filarmônica do Humanismo Ikeda (OFBHI) – fundada em 1993, tem como objetivo desenvolver uma orquestra que possa levar a música humanística para o mundo, realizando um rico intercâmbio entre as pessoas. Em cada apresentação é retratada a contínua luta pelo humanismo, da escuridão para a luz, do desespero para a vida plena. O nome da orquestra foi sugerido pelo compositor Amaral Vieira, em homenagem ao presidente da SGI.

A orquestra apresentou na capital de São Paulo uma série de concertos no Teatro Cultura Artística, no Parque da água Branca (evento em conjunto com o COEP, entidade fundada pelo sociólogo Betinho) e posteriormente na cidade de Itapevi. Paralelamente a essa série, promove também a série “Concertos Didáticos” com o intuito de ampliar a cultura humanística entre crianças e jovens do Brasil e do mundo.

Além de vários projetos educacionais e artísticos, a BSGI também promove exposições que visam conscientizar a sociedade brasileira sobre importantes questões mundiais.

:: Cristianismo no Japão

No Japão do séc. XVI várias transformações poderiam comprometer seriamente a antiga estrutura disciplinar implantada pelos samurais. O causador de tudo isso foram os jesuítas.

O cristianismo no Japão não deu certo e colocado à margem da lê em 1612 pelo xogunato Tokugawa. O escritor católico Shusaku Endo, esclarece que “o Japão é um pântano porque absorve toda a sorte de ideologias, transformando-as em si mesmo, e distorcendo-as no processo de faze-lo”, e lamenta “se esse cristianismo fosse menos incorrigivelmente ocidental, as coisas poderiam ter sido diferentes”.

Mas Francisco Xavier achava do Japão, “o país do Oriente mais apropriado ao cristianismo” e criticava os chineses por não demonstrarem interesse algum do que lhes era ensinado. O interesse em catequizar os japoneses foi após o seu encontro casual com o samurai Anjirô em Malaca, na Malásia e admirou-o pela cultura. Ajirô contou a Xavier sobre o Japão. Cronologicamente, Ajirô foi o primeiro cristão japonês, batizado com o nome de Paulo de Santa Fé. Esse encontro aconteceu no mesmo período que teria encalhado nas costas de Satsuma (Kagoshima) – provavelmente no ano de 1542 – um junco de construção siamesa transportando três mercadores portugueses, entre eles Fernando Mendes Pinto a quem foi delegado a descoberta da rota para o Japão.

Quando Francisco Xavier chegou ao Japão, acompanhado de quatro cristãos japoneses encontrou um país arruinado pela Guerra dos Cem Anos, período este, conhecido por Sengoku. Os daimyos (Senhores Feudais) não se entendiam e inclusive, havia lutas entre os monastérios budistas. Lutas estas que iniciaram na metade do século X. as milícias eram formadas por leigos e sôhei – monges da categoria inferior. O governo não tolerava essas intrigas religiosas que consistiam numa ameaça. O cristianismo levado pelos jesuítas recebeu total apoio dos governantes, primeiro Nobunaga Oda e depois Hieyoshi Toyotomi. Houver conversões e construções de igrejas e de seminários.

A unificação do país era o sonho dos governantes e a amizade com os missionários era em parte motivada pelo desejo de comercializar com os navios de Macau sob o controle dos jesuítas. É bom ressaltar que tanto Nobunaga quanto Hideyoshi nutriam uma profunda antipatia ao budismo.

Numa carta de Francisco Xavier ao seu superior Inácio de Loyola, dizia que os missionários deveriam ter conhecimento de vários fenômenos do universo, pois os japoneses ansiavam saber sobre o movimento de corpos pesados, porque acontecia o eclipse solar, a chuva, a neve e os trovões. Esse contato com a cultura ocidental floresceu no Japão um rápido progresso científico totalmente absorvido pela classe dominante, a dos samurais. Os japoneses eram mestres na absorção e na sua imediata adaptação, como o desenvolvimento de uma indústria bélica: pistolas e espingardas.

O relacionamento íntimo entre os jesuítas e o governante Oda era tão cortês, que em 1582, o padre Valignano foi em missão à Roma levando consigo quatro meninos japoneses. Um fato curioso dessa viagem a passagem por Portugal: escravos japoneses pelas ruas de Lisboa. A escravidão japonesa foi proibida mais tarde pelo rei D. José I.

Início das perseguições

Os próprios historiadores não sabem concretamente porque em Julho de 1587, o generalíssimo Hideyoshi acossado de uma ira doentia determinou que os missionários não poderiam permanecer no país. Ele teria afirmado: “decidi”. Houve expulsões e destruição de igrejas, mas o decreto ficou só no papel. Os jesuítas contavam com um forte aliado: os damyos cristãos do sul. A comunidade cristã da época contava com duzentos mil convertidos, cujo número crescia assustadoramente. Hideyoshi desafiava a sua própria ordem e desfilava pelas salas douradas do Palácio de Juraku usando roupas portuguesas e um rosário. Porém a sua fúria foi maior, dez anos depois, não aceitando a provocação de um capitão espanhol que se gabava da grandeza do império espanhol e que devia em parte a ação dos missionários. Hideyoshi mandou executar na cruz 26 cristãos numa noite fria de 1597.

Nesses 70 anos de relacionamento com o cristianismo, o Japão modificou totalmente o sistema de se guerrear: antes era de homem para homem, agora, com a artilharia (lembram-se do filme Ran). Do ocidente, introduziu-se o vidro, o vinho, os óculos, o espelho, o relógio, a lã, a matemática, a geografia, a engenharia, a impressão gráfica, a metalurgia e o latim. O primeiro dicionário japonês/português foi compilado nessa época pelos jesuítas. Em suma, os governantes já estavam satisfeitos e preocupavam-se com o crescimento da influência cristã nos feudos. Boa parte dos príncipes do Sul tinham aderido a nova fé.

O japonólogo Georges Busquet esclarece que “a nova religião tornou-se o laço político dos feudais que lutavam contra o poder central que o Taiko-Sama (governante) e os sucessores se esforçavam por concentrar nas mãos”. Busquet afirma que “o nome cristão tornou-se sinônimo de rebelde... o cristianismo ameaçava criar um Estado dentro do Estado”. Além disso, os jesuítas portugueses se rivalizavam com os franciscanos espanhóis envolvendo questões políticas e pessoais.

A aristocracia cristã

O cristianismo foi acalentado por inúmeras famílias tradicionais. Uma delas foi a de Ukon Takayama, nobre e guerreiro ao serviço de Hideyoshi. Ukon construiu 20 igrejas e converteu 18 mil vassalos. Foi um dos sete discípulos do mestre Rikyu-Nanatetsu, da cerimônia-do-chá e igualmente um notável guerreiro. Quando Hideyoshi proibiu o cristianismo, pela segunda vez, ordenou que Ukon abandonasse sua fé. Ukon recusou. Hideyoshi enviou Rikyu para lhe dar mais uma chance, ao que ukon respondeu: “um verdadeiro samurai nunca muda suas decisões, mesmo que tenha que contrariar o seu Senhor”.

Expulso de suas terras, Ukon refugiou-se no sul do país e serviu ao daimyo Toshiie Maeda e novamente mostrou sua bravura numa batalha contra o clã Hojo, carregando consigo o seu brasão em forma de cruz. Indiretamente servia novamente ao seu antigo Senhor, o suserano Hideyoshi. Na batalha de Sekigahara os daimyos cristãos lutaram ao lado das forças de Hideyoshi, mas acabaram derrotados por Tokugawa.

Com Tokugawa no governo, o fim de Ukon e dos cristãos estava próximo. Ukon com 62 anos foi exilado para Luzon (atual Filipinas) onde faleceu, vítima de malária. Em vida, Ukon influenciou Tama Hosokawa a aderir a fé cristã, batizada com o nome de Gracia. Gracia Hosokawa era uma mulher inteligente e bela. A última resistência cristã aconteceu em Nagasaki, conhecida como a rebelião de Shimabara tendo à frente o samurai Shiro Amakusa.

Fim de um sonho

A inquisição foi instituída em 1640 pelo xogun Iemitsu Tokugawa quando se iniciou uma perseguição aos cristãos. Nos templos budistas cadastravam-se o nome e o endereço de todos os seus fiéis, como uma forma de controle sobre a população. Torturas físicas e psicológicas foram insufladas contra os cristãos. A coação psiclógica era a que mais doía. Os inquisidores criaram o fumiê, que consistia em obrigar os cristãos a calcarem o pé da imagem de Cristo ou da Virgem, apostatando-se de sua fé.

A maior vitória dos inquisidores foi o padre Ferreira apostatar-se e passando para o lado dos seus acólitos entregou os seus antigos companheiros. Três mil mártires foram feitos e outros apostataram-se. No auge do cristianismo no Japão, havia 700 mil adeptos, quase a população atual de japoneses e de seus descendentes no Brasil.

O cristianismo no Japão foi um sonho – ou um pesadelo – que os japoneses não dão muita importância. Fica aqui a inquietação de Endo: “se o cristianismo não fosse tão ocidental...”.

Cronologia dos Cristãos Japoneses

1541 Francisco Xavier chega a Goa – Índia.

1542 Fernão Mendes Pinto desembarca no Japão
acompanhados de dois mercadores. São os
primeiros europeus a entrar no país.
1549 Francisco Xavier chega ao Japão.

1551 Xavier deixa o Japão.

1573 O general Nobunaga Oda depõe o xogunato Ashigaka e inicia a era Azuchi Momoyama.

1582 Mensageiros japoneses no Vaticano. Oda é traído e moto, assume Hideyoshi Toyotomi.

1587 O cristianismo é proibido, mas fica só no papel.

1590 Volta dos mensageiros ao Vaticano e introdução da imprensa gráfica.

1591 Publicação do “Heike-monogatari” e “doutrina Cristã” em Amakuda.

1593 Os Franciscanos chegam ao Japão e iniciam atrito com os jesuítas.

1596 Nova perseguição aos cristãos.

1597 Martírio dos 26 cristãos.

1598 Morte de Hideyoshi.

1600 Batalha de Sekigahara e derrota dos aliados de Hideyoshi.

1603 Ieyasu inicia o xogunato Tokugawa – a Era Edo.

1609 Início do comércio com a Holanda.

1612 Cristianismo é colocado fora de lei.

1613 Início do comércio com a Inglaterra.

1614 Expulsão de 148 cristãos para Manila e Macau, entre eles se encontrava o fidalgo Ukon Takayama.

1615 Queda do Castelo de Osaka, o último reduto de Hideyoshi.

1616 Morte de Ieyasu.

1623 Morte de Hidetaka e assume Iemitsu. Perseguição e matança aos cristãos que não se converteram.

1638 Revolta de Chimabara e expulsão dos portugueses.

1639 Fechamento dos portos japoneses.

1640 Instituição oficial da Inquisição.

1664 O governo estimula a conversão e o cadastramento dos convertidos nos templos budistas.

1792 Fim da Inquisição.

1873 Reconhecimento do cristianismo.

:: Budismo costumes e tradições

:: Yakubarai - para afastar o sofrimento

Yaku significa "calamidade"e doshi anos


Costuma-se comparar alguns períodos da vida com os nós de um bambu. Aquele nó duro e marcado é necessário para continuidade do bambu, assim como representa uma etapa da vida do ser humano. Chamados de yakudoshi, a idade em que se concentram os males, segundo yin/yang chinês, no homem é representado pela idade 25, 42, e 60 anos, e nas mulheres de 19 a 33 anos. É sobretudo a idade da maturidade e da transformação.

No budismo se realiza a cerimônia do yakubarai, para afastar o sofrimento. A cerimônia pode ser individual ou coletiva (junto com outras cerimônias no Kannon Hõyo), é realizada pela primeira vez no ano do aniversário anterior (24, 41 e 59 anos no caso dos homens e 18 e 32 no caso das mulheres), de preferência nos primeiros meses do ano, e depois no ano seguinte, como agradecimento pelo encerramento do período crítico.

Não há nenhuma regra estabelecida, mas é comum realizar a primeira cerimônia apenas com a presença de familiares mais próximos, e a segunda com familiares e amigos, seguida de uma festa.

Missas Memoriais

O culto aos antepassados é uma parte importante do budismo. Assim se realizam missas periódicas em memória do falecido.

7º dia (shõnanoka) – Considera-se que a evolução do falecido conteça de 7 em 7 dias, ou seja, ela deixa o mundo em que vivemos e segue em direção a um estágio superior. No 7º dia celebra-se o cumprimento da primeira etapa de uma longa jornada.

49º dia (shijuku-nichi) – Após 7 semanas do falecimento, a pessoa já cumpriu todas as etapas e está pronta para o renascimento.

100º dia (hyakkan-nichi) – Nem todas as famílias realizam essa missa. Celebra o fim do período de concentração e treinamento.

1 ano (isshu-ki) – tradição incorporado pelo budismo na China, significa o fim de um período de luto pelo falecimento.

As demais missas representam uma homenagem periódica ao falecido, celebrando sua evolução constante, firme “como a junta de um bambu”. Notar que, excetuando os últimos números 25, 27, 33 e 50, todos os outros são primos, ou seja, só divisíveis por si e por 1:

3º ano (sankai-ki)

7º ano (shichikai-ki)

13º ano (jusankai-ki)

17º ano (jushitikai-ki)

23º ano (nijusanaki-ki)

25º ano (nijugokai-ki)*

*cerimônia não obrigatória, simboliza uma homenagem pelo transcurso de metade de sua caminhada.

27º ano (nijushitikai-ki)

33º ano (sanjusankai-ki)

50º ano (gojukai-ki) – Na tradição japonesa, a celebração de 50 anos de falecimento era feita pelos vilarejos como um festival, por considerar que o falecido se transformará após o festival num Deus protetor daquela localidade. Essa tradição foi incorporada ao budismo, por considerar a chegada da pessoa à Nirvana, ou seja, a sua transformação em Buda.

Sempre na véspera

Pela tradição, as cerimônias são realizadas sempre na véspera da data, ou seja, a missa do 7º dia será realizada no 6º dia, a missa de 49º dia será realizada no 6º dia, a missa do 49º dia será no dia 48º dia, a de 1 ano será alguns dias antes de completar um ano, a de 3 anos será no 2º ano, etc.

Isto porque costumam contar os dias ou ano do falecimento como 1, desprezando-se o zero. Pelo mesmo motivo, os japoneses costumam contar a idade a partir do nascimento começando do 1.

Homenagem

O budismo considera que as missas são uma homenagem ao falecido, e que nessas ocasiões deve-se reunir os familiares e amigos, que muitas vezes não se encontrariam de outra forma. Reunir pessoas que tinham laços com o falecido significa a continuidade do elo que sempre existiu entre elas.


Envelopes com dinheiro

O desconhecimento dos costumes tradicionais em que a etiqueta se faz necessária provoca, muitas vezes, situações embaraçosas entre os descendentes de japoneses e parentes não descendentes. Colocando de maneira pratica, como se proceder quando um amigo ou conhecido da família falece?

Não se trata apenas de ir às cerimônias fúnebres, seja no templo budista ou na residência da pessoa falecida. É costume oferecer naquela ocasião um envelope com uma determinada soma de dinheiro. Tornou-se essa pratica uma formalidade que, por outro lado, suscita dúvidas. Pergunta-se, por exemplo, o valor que se coloca no envelope. Mais do que se preocupar com o valor em si, pode-se colocar a questão de outra forma: o que eu posso dar num momento tão difícil para a família enlutada?

Essa quantia deve ser colocada num envelope branco, dessas de carta, ou num envelope apropriado para este fim – vendido nas lojas de produtos japoneses.

Normalmente escreve-se com pincel (fudê) à base de tinta preta (sumi). Mas isso não deve ser considerado uma regra. A dificuldade no Brasil em achar alguém que maneje bem o pincel tornou mais flexível esta tarefa. Pode-se usar uma caneta comum, como uma esferográfica, sem se preocupar com a estética que um pincel pode proporcionar.

Este envelope pode ser entregue à pessoa mais próxima do falecido – a esposa, o marido ou o filho mais velho. Antes da cerimônia fúnebre, quando se procede os pêsames, é o momento indicado para, também, ofertar o envelope. Outra prática bastante comum, principalmente quando a cerimônia está sendo realizada em casa, é oferecer o envelope diretamente ao falecido. Em outras palavras, ao Buda inscrito na tabuleta conhecida por “Ihai”. Isso acontece no momento em que as pessoas são convidadas pelo oficiante a oferecer incenso. O envelope pode ser depositado ao lado da caixa em que contém o incenso em pó ou no recipiente no qual se deposita as varetas de incenso.

Em alguns casos excepcionais, numa cerimônia com muitos convidados, no templo, uma mesa serve como recepção. É o local em que se assina o nome num livro de freqüência. O envelope deve ser entregue nesta ocasião.

Uma outra dúvida, bastante freqüente, é sobre em quais cerimônias oferecer o envelope. Pode-se referir à cerimônia de sete dias, quarenta e nove dias, de um ano e assim por diante. O mais comum é oferecer nas duas primeiras. São as datas mais próximas ao falecimento, o que justifica uma demonstração de apreço com o falecido e de compaixão com a família.


envelope

Kanreki – 60º aniversário

Para homem, o 60º aniversário é chamado de kanreki, o reconhecimento da “segunda infância”. Os caracteres japoneses (kanji) da palavra kanreki literalmente significam “retorno” e “calendário”.

O calendário tradicional, que é baseado no calendário chinês, que foi organizado em ciclos de 60 anos. O ciclo da vida volta ao ponto inicial em 60 anos, e o kanreki celebra o ponto em que a vida do homem volta a sua infância.

Tradicionalmente, amigos e parentes são convidados para a festa de celebração no 60º aniversário. É costume o aniversariante usar uma boina e roupas vermelhas. Estas roupas geralmente são usadas por bebês e isto simboliza que o aniversariante voltou ao seu nascimento.